022 – Costumes – C

         - Como havia poucos antibióticos, usava-se quase sempre a penicilina, que dava muita reação alérgica, com mortes inclusive. Infecção dos ouvidos era tratada com azeite meio quente – óleo de mamona; entre os irmãos temos alguns com problemas auditivos – seria conseqüência do azeite quente? Devido a infecções, viam-se pessoas com pus escorrendo na orelha ou algodão colocado nos ouvidos, principalmente os colegas de escola. 

         Eficientes remédios caseiros: água oxigenada, água boricada, iodo, mercúrio – estes dois últimos proibidos, graças ao lobby dos terríveis laboratórios multinacionais

 

         - Com o tremendo calor de Fabriciano, aparecia muita disenteria, ou piriri, principalmente nas crianças. Os médicos recomendavam não beber água. Calor, falta de água e higiene, e água sem tratamento provocavam disenteria infecciosa, causando muitas mortes – traduzindo: desidratação! Mamãe disse-me que tinha muita pena dos filhos, pois demoraram muito a desconfiar que a desidratação necessitasse de muita água, e água tratada, e de antibiótico quando era acompanhada de infecção. Ainda bem que apareceu o milagroso soro caseiro. 

         - Em casa, uma das piores semanas do ano era a semana dos lombrigueiros: as bolinhas amareladas, o óleo de rícino ou o sumo do capim-santa-maria, que mamãe preparava, eram horríveis. Eu tomava numa boa, mas o José Maurício dava trabalho.  E as meninas... Era uma choradeira só!... E lombrigas por todo o terreiro!

         - Nosso médico de família mais imediato era o Sô Quincas, farmacêutico prático, que manipulava os remédios, colocando-os em cápsulas parecidas com hóstia, além de nos aplicar injeções. Doutor Albeny foi outro que nos ajudou bastante.

         - Os mendigos na rua e os pedintes de esmola ou os papudos vindos das serras do Caladão, as pessoas descalças e as roupas remendadas e calça-pega-frango, tudo isso era muito comum.

         - Para o transporte do dia-a-dia, usavam-se cavalos, burros, tropas, carroças e carros de boi – o seu “cantar” lhe dava a qualidade, a tristeza ou o orgulho do proprietário; no rio, canoas, botes, e, para os veículos e animais, a balsa. Automóveis, importados, só dois no lugarejo, e alguns caminhões para o transporte de carvão até os silos beirando a estrada de ferro, único meio de se conseguir sair do lugar.

 

Logo no começo da Acesita, era intenso o movimento da balsa e dos botes e canoas para a travessia do Rio Piracicaba. 

Algumas obrigações temporárias, que eu menino detestava, mas executava – e bem! - :

- Aguar a horta. Algumas vezes papai comprava uma bomba que, durava pouco, introduzida em um balde e bombeada, como uma bomba de encher pneu, jogava água até a uma distância de uns dez metros.

- Aguar os canteiros de verduras. Encher de água os cacos em volta das árvores para que as formigas não cortassem as folhas. Hoje, esses cacos são proibidos por causa da dengue.

- Dar mamadeira e carregar os irmãos mais novos – a Myrian era pesadíssima!

- Lavar e limpar os pinicos quando não tínhamos empregada doméstica – banheiro, fora de casa – só a latrina no quintal. Debaixo de cada cama, um pinico. Acho que é principalmente por isso que antigamente havia escravos.

- Carregar água do Rio Piracicaba ou do chafariz na esquina da casa do Zé Avelino, em latas de vinte litros. Para chegar ao rio, havia um morro enorme, íngreme e arenoso. Como muita gente lavava as vasilhas nas águas do rio, apareciam peixes para comerem restos de comida - algumas vezes, lambaris ou pequenos piaus entravam na lata.

Para amenizar um pouco essa luta de carregar água, papai colocou uma calha para coletar água do telhado para encher os tambores quando chovia. Quando havia empregada doméstica, a adulávamos para não carregarmos água - José Maurício e eu. José Maurício era meio moleirão, mas vencia pela bondade.

Banho de bacia, até para os adultos – Deuzinha dava banho em todos os irmãos menores.

- Mexer os doces quando preparados no fogão a lenha – além de muito calor, demorava muito – o doce de leite então! A meninada rodeava impaciente para ganhar a rapa da panela! Bater clara de ovos, achava terrível. Bater o feijão na panela e torrar arroz ou café – que sacrifício!

- Engraxar os sapatos de todos! Só havia sapatos feitos de couro, e devido à poeira e lama, pois não havia calçamentos nas ruas, engraxá-los era necessário; muito comum encontrar meninos engraxates nas ruas – inclusive fui um deles...

- A sala, o corredor que dava para a rua e os quartos eram assoalhados com tábuas largas. Mamãe, muito caprichosa, gostava que esses cômodos fossem lavados diariamente. Acho que eu fui o que mais lavou ou passou pano molhado no chão!

Com tantos filhos e tanto trabalho, mamãe dividia um pouco as tarefas de casa. Acho até que não eram tantas as indicadas para mim, mas criança reclama muito... Quase sempre tínhamos empregada doméstica.

- Estudar... e, pior ainda, fazer as tarefas, nunca foram o meu forte! Mamãe ficava em cima!

 

                   Benedito Franco

 

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